quarta-feira, 26 de outubro de 2011

“A sabedoria veio antes da letra”




No último final de semana tive mais uma vez a grata satisfação de me dirigir até o sítio Belo Monte, Povoado Testa Branca em Uauá - BA, com o objetivo de fazer uma visita a Seu Isaias, figura conhecida em todo Nordeste e até mesmo no exterior.

A fama de Seu Isaias chega aos mais variados lugares graças a facilidade (ou dom) que ele tem de encontrar água no subsolo. 

Para Ademilson Rocha (Tiziu do IRPAA), seu Isaias é “uma das maiores autoridades” no que diz respeito a convivência com o semiárido. E quem não conhece a história desse agricultor pode até pensar que esse ele é um homem que teve a oportunidade de estudar e obter na escola, os conhecimentos que utiliza em sua prática diária. Mas é justamente o contrário. Seu Isaias não teve muita chance para estudar e boa parte do que pratica no dia a dia aprendeu depois de fazer de sua propriedade um lugar de experimentações.

Tudo começou quando seu Isaias passou pela escola de formação do IRPAA, onde aprendeu muito. Foram quinze dias de muito aprendizado. A principal lição talvez tenha sido a que diz: “todos são inteligentes e podem utilizar tal inteligência para viver bem no semiárido”. Ele entendeu bem a mensagem e há muito tempo é referência no que diz respeito a convivência com o semiárido. Recebe muitas visitas e se diz muito feliz ao recepcionar as pessoas em sua casa. 

Além da ótima recepção, ele sempre apresenta sua religiosidade afinada, as experiências que tanto encantam e sempre deixa no ar frases que causam impacto e nos propõem uma reflexão. Dessa última visita socializo apenas uma: “A sabedoria veio antes da letra”.

Texto: Álvaro Luiz
Foto: Juvenal Lemos (Arquivo SAET)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco realiza II Semana pela Democratização da Comunicação




Acontece durante o período de 18 a 22 de outubro a II Semana pela Democratização da Comunicação, realizada pelo Fórum de Comunicação do Sertão do São Francisco. A programação terá início nesta terça (18) com a realização da mesa de discussão “A Comunicação que temos e a Comunicação que teremos” que contará com a participação do Assessor Especial de Políticas Públicas da Secretaria de Comunicação Social da Bahia, Antônio do Carmo, e a representante do Instituto de Mídia Étnica, Juliana Dias. A mesa, que irá acontecer no Campus III da UNEB, será mediada pelo Fórum de Comunicação e irá marcar o primeiro dia da Semana de Integração organizada pelo Colegiado do Curso de Comunicação Social da referida Universidade.

No dia 19, a programação segue com a exibição do documentário “Criança, a alma do negócio” na Casa de Cultura do Bairro Quidé, seguida de discussão acerca da relação entre mídia e consumismo. A partir do dia 20, as atividades serão realizadas em outros municípios do Território, a exemplo de Canudos, Curaçá e Pilão Arcado, tendo como foco a realização de oficinas de comunicação para jovens e a apresentação de programas especiais sobre comunicação nas Rádios Comunitárias destes municípios.

A Semana pela Democratização da Comunicação faz parte da agenda dos movimentos sociais do campo da comunicação no país e este ano acontece em meio a discussões como a criação de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil e o Plano Nacional de Banda Larga, em discussão no Governo Federal. No estado da Bahia o cenário de estruturação do Conselho Estadual de Comunicação mobiliza a sociedade civil a envolver-se ainda mais na reivindicação da comunicação como direito.

O Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco
O Fórum é um espaço de discussão e proposição que reúne diversas organizações sociais de municípios do Território Sertão do São Francisco – Bahia. É uma organização da sociedade civil criada em setembro de 2009 a partir da mobilização para a I Conferência Nacional de Comunicação. Atualmente conta com a participação de entidades locais e nacionais, estudantes, comunicadores populares e profissionais da comunicação interessados/as em discutir e contribuir com a luta por uma comunicação responsável e comprometida com uma sociedade democrática, que valorize mecanismos de participação popular.


O Fórum conta com uma Secretaria Executiva que hoje é representada pelo Núcleo de Arte Educação Nego D’Água – NENDA, Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA e Instituto de Desenvolvimento Social e Ambiental – IDESAB, além da articuladores/as locais nos municípios do Território.

PROGRAMAÇÃO

Dia 18 – Juazeiro
Mesa Redonda: "A Comunicação que temos e a comunicação que queremos"
Debatedores/as: Juliana Dias (Instituto de Mídia Étnica); Antônio do Carmo (Assessoria Especial de Políticas Públicas - Secretaria de Comunicação Social do Estado da Bahia); Érica Daiane (Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco)
Local: Auditório do Campus III UNEB - 16:30h

Dia 19 - Juazeiro
Exibição do vídeo “Criança a alma do negócio” e Debate sobre Mídia e Consumo
Facilitadores: João Paulo Marques e Edson Carvalho

Local: Casa da Cultura, Bairro Quidé - 18h

Dia 20 - Curaçá
Oficinas de comunicação
Educomunicação (Érica Daiane)
Técnicas de Locução (Juvenal Lemos)
Produção Textual (Álvaro Luiz)

Dia 21 – Juazeiro (Salitre)
Local: Casa Paroquial de Curaçá - das 9h às 17h
Oficina de Rádio Escola

Local: Escola Municipal do Junco - Salitre - 13h

Dia 22 – Pilão Arcado
Programa Viva a Vida - Especial Democratização da Comunicação (Responsável: Pastoral da Criança)
Local: Rádio Comunitária Tropical FM - das 8h às 9h

Dia 22 – Canudos
Programa Sol Poente - Especial Democratização da Comunicação (Responsável: IRPAA)
Local: Rádio Atividade FM - a partir das 16h

Obs.: A programação não acompanha o horário de verão.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Movimentos sociais contestam os números da revitalização do rio São Francisco



A Articulação Popular São Francisco Vivo – SFVivo, que congrega cerca de 300 organizações populares e movimentos sociais na defesa do Rio São Francisco, vem a público contestar os dados sobre realizações do Projeto de Revitalização do São Francisco divulgados recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), e exigir comprovações das afirmações feitas e transparência nas dotações orçamentárias e ações governamentais.

Os anúncios são muito mais peças publicitárias do que prestação de contas, e evidenciam a política de “faz de conta” que tem norteado a atuação do governo federal em resposta à cobrança de revitalização feita pela sociedade. O projeto governamental quase nada mudou nestes anos, continua setorial e desconexo, longe das causas estruturais dos processos de degradação socioambiental da Bacia, que ao contrário de refluir, estão a se intensificar, comprometendo uma possível e real revitalização.

As ações de fato iniciadas – como “moeda de troca” do projeto de Transposição de Águas do São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional – estão longe dos R$ 6,4 bilhões de investimentos divulgados pelo MMA em matéria postada no site do IBAMA, no dia 5 de outubro, intitulada “Revitalização do São Francisco já soma R$ 6,4 bilhões”.

A inflação das cifras fica evidente quando o vultoso número é destrinchado ao longo do texto. Dos R$ 6,4 bilhões propalados, orçados nos Planos Plurianuais entre 2004 e 2015, apenas R$ 1,4 bilhões correspondem às ações concluídas. R$ 3 bilhões estão supostamente sendo gastos com as obras em andamento e os R$ 2 bilhões restantes seriam para iniciativas programadas.

Reiteramos aqui o que afirmamos no documento “Revitalização x Transposição: o dilema do São Francisco continua”, que a SFVivo lançou no último 4 de outubro. Como “abertura” à participação da sociedade, o Ministério da Integração coletou mais de 300 propostas para a revitalização, a maioria das quais descartada por serem consideradas inexeqüíveis ou não contemplarem os marcos legais…

Culpa da sociedade? “A título de Programa de Revitalização do Rio São Francisco – PRSF foram incluídas todas as ações possíveis do governo federal, de vários setores, muitas em parcerias com os governos estaduais da Bacia, de modo a inflar os números, parecer menos discrepante com a transposição. E não há transparência, não se tem como saber muito menos acompanhar o andamento das ações.”

Torturados, os números publicitam uma imagem que não corresponde à realidade. Para aqueles que moram próximos de onde as obras estão ou estariam sendo realizadas, as cifras são mais magras e o descontentamento mais corpulento. Na fiscalização das obras feita na cidade de Juazeiro e divulgada no citado documento da SFVivo, são denunciadas as falhas na implementação da rede de esgoto.

Membros da SFVivo seguindo o “caminho do esgoto” flagraram dejetos a céu aberto onde deveriam estar canalizados e tratados, mas continuam sendo despejados diretamente no rio.

O “campo de provas” para contenção de barrancos e favorecimento da navegação, inaugurado na cidade de Barra (BA), pelo presidente Lula, em outubro de 2009, jaz incompleto e abandonado, como prova das falácias de uma revitalização que não acontece.

Centrado na qualidade da água, ignorando a quantidade, o programa não vai além do esgotamento sanitário malfeito e sob suspeitas de superfaturamento. O programa está longe de atacar as principais causas da morte do Velho Chico. A diminuição do volume de água em 35% nos últimos 56 anos, entre 1948 e 2004 – dados do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR – Colorado / EUA) –, é causada, sobretudo, pelo desmatamento e pelo sobreuso da água na irrigação e nos empreendimentos do agronegócio.

A Companhia de Desenvolvimento do Vale São Francisco e Parnaíba – CODEVASF, a autarquia que divide com a Cia. Hidrelétrica do São Francisco – CHESF o controle do rio, é quem protagoniza essa política imutável de perímetros irrigados, rançosa de uma visão ultrapassada de desenvolvimento.

O Superintendente Adjunto da 2ª SR, Sérgio Coelho, declarou em Audiência Pública realizada em Santa Maria da Vitória – BA, em maio desse ano, que “perímetros de irrigação são a revitalização social do rio São Francisco”. Tudo continua reduzido a negócios e lucros, com um mínimo de compensação não muito custosa de impactos sociais e ambientais.

O cinismo dos órgãos governamentais se mostra também no nome “São Francisco Vive” de nós “emprestado” para intitular, no dia 4 de outubro, shows de música e outros eventos de divulgação de sua pseudo-revitalização e convocar o povo a participar do Projeto de Revitalização como catadores de lixo a beira do rio…

O povo sanfranciscano – maior riqueza do rio – merece e exige diálogo honesto e transparência nas ações. Acreditamos que há esperança, e ela vem do povo unido e organizado, propositivo e proativo; como neste 510º 4 de outubro, demonstrou em várias formas de dar a quem tanto ofereceu o “gole d’água” de sua luta pelo São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!

Articulação Popular São Francisco Vivo – SFVivo.

Romaria da Águas de Sobradinho pautou a implantação de grandes projetos

Presença da Juventude marcou  a Romaria



No último final de semana, a “Terra da Barragem”, como é conhecida a pequena Sobradinho, localizada a cerca de 550 km de Salvador, realizou a VIII Romaria das Águas, com o tema “Água é Vida! A morte do Velho Chico é a morte do seu Povo”.

O evento reuniu romeiros de todo o Território Sertão do São Francisco, que além de discutir os problemas que afetam diretamente o Rio São Francisco, também fizeram um debate sobre as ameaças que têm rondado o povo Ribeirinho. A mais nova dessas ameaças é a implantação de Parques Eólicos.

São muitos os relatos de irregularidades no processo de implantação desses parques. Segundo Marina Rocha, integrante da CPT - Comissão Pastoral da Terra de Juazeiro-BA, “as empresas que chegam em nome do capital, parece que pensam que o povo não sabe seus direitos, por conta disso elas chegam como um trator, passando por cima de todas as comunidades, dos direitos, da realidade dessas comunidades. É um desrespeito total!”

Marina afirma que “as empresas não consultam e não informam a sociedade que tipo de projeto estão querendo implementar”. Ela atribui esse posicionamento a prioridade dessas empresas: o lucro. “Por conta disso eles não pedem permissão e vão entrando nas comunidades, seja para pesquisar minérios, seja para implantar energia eólica”, relata Marina. 

Para Marina esses empreendimentos sempre chegam “com milhões de promessas: geração de emprego, geração de renda, geração de desenvolvimento e progresso”. Tantas “vantagens” acabam encantando as pessoas que aceitam a proposta sem ao menos conhecer.

“Eu estive em uma comunidade onde a empresa  chegou com os contratos, a máquina de xerox e pediu para que todos levassem os documentos. Era um contrato com nove páginas. Ao mesmo tempo em que chegavam já assinavam o contrato, entregavam os documentos para fazer a cópia e assinavam sem conhecer os detalhes do contrato”, conta a integrante da CPT.

Mesmo com o contrato assinado Marina diz que ainda é possível reverter a situação. “As pessoas não tiveram informação suficiente sobre esse contrato. Então, elas podem judicialmente anular esse contrato. É possível fazer isso. Então as pessoas devem se reunir em grupo para buscar a anulação”, explica. 

Religiosidade – Padre João Sena (Paróquia de São Francisco de Assis – Sobradinho) entende que “a romaria tem o objetivo de despertar no povo o amor pelo rio São Francisco, o amor pela vida, o amor pela criação de Deus”.

No que diz respeito ao posicionamento da igreja diante da forma como as empresas de energia eólica têm chegado a região, Padre João é contundente: “a igreja tem que assumir a causa daqueles que são explorados pelos grandes projetos, seja no caso das mineradoras, seja no caso dos parque eólicos. A igreja tem a missão de defender a vida”,  comenta o padre.

Cultura – Para o dirigente de cultura de Sobradinho Paulo Macêdo, “o diferencial da romaria das águas é agregar todos esses meios: o lado religioso, o lado social, o lado cultural”. Segundo o dirigente, a organização “sempre buscou garantir esse espaço cultural dentro da romaria”.

Participação juvenil – Marina Rocha avalia com muita satisfação a participação de jovens no evento. De acordo com ela “pessoas que já são experientes na luta não são mais enganadas com as falsas promessas do grande capital. Mas a luta precisa ser renovada. Então a gente fica muito alegre de perceber que tem muito jovem interessado nessa continuidade da luta”, expõe. Ela também vê como positivo a participação de Jovens urbanos. “Muitas vezes as pessoas da cidade ignoram essas realidades, acham que é problema do campo”, esclarece. 

Padre João concluiu prevendo ações para o evento no próximo ano. “Nós vamos envolver mais as comunidades, intensificar mais o trabalho, valorizar mais a presença da juventude e procurar envolver os profissionais da educação”, prevê.